NOTÍCIA

03/07/2020
Autores de vídeos homofóbicos deverão pagar R$ 80 mil de danos morais coletivos

A 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de SãoPaulo (TJSP) condenou autores de animações com mensagens transfóbicas,homofóbicas e machistas, do canal Mundo Canibal, a indenizarem em R$ 80 mil pordanos morais coletivos. O valor deverá ser revertido pela Defensoria Pública doEstado de São Paulo, que ajuizou a ação civil pública, em política de açõesafirmativas para promover a igualdade e o combate às diferentes forma dediscriminação. Leia a íntegra do acórdão.

 

O colegiado, por outro lado, não concordou com o pedido pararetirar do ar o conteúdo, publicado em redes sociais, pois isso configurariacensura. Por unanimidade, foi provido parcialmente um recurso da Defensoria,que havia tido seu pedido negado em 1ª instância em 2017 pelo juiz Guilherme MadeiraDezem para retirar os vídeos do ar e para obter indenização por danos morais.

 

A Defensoria ajuizou a ação inicialmente contra Rodrigo eRicardo Piologo, Rogério Gonçalves Ferreira Vilela, Fábrica de QuadrinhosNúcleo de Artes S/C LTDA – autores dos vídeos – e Google, Facebook e Twitter,plataformas nas quais foram publicados os conteúdos. O órgão defendeuconfiguração do dano moral, porque os vídeos fomentam “um contexto social deódio, discriminação e menosprezo à população LGBT e violação aos direitos dasmulheres e das crianças e adolescentes, incitando a violência”. Argumenta,ainda, que os vídeos são ilícitos jurídicos, por isso devem ser retirados doar.

 

Um dos vídeos, intitulado “Piripaque”, se inicia com osseguintes dizeres: “Olhe, cara, sabe aquelas situações em que você SABE o quequer fazer, mas não tem CORAGEM de fazer?” São então mostradas as seguintessituações: personagem dá um soco na barriga de sua namorada gestante,provocando um aborto; filho que “vomita” fogo e mata sua mãe queimada após elaconfessar o seu ofício de prostituta; pai que, de arma em punho, atira noestômago do filho e em sua cabeça, disparando, ainda, aos risos, diversosoutros tiros em seu corpo, fazendo-o sangrar copiosamente, após descobrir-lhehomossexual.

 

O Ministério Público do Estado de São Paulo, em parecer,defendeu que o “humor” do vídeo “decorre da identificação: somente quemcompartilha do desejo de realizar tais atos de violência, ou que os entendam noseu íntimo, como naturais, diante das situações narradas” irá achar graça nomaterial. “O vídeo reforça machismo e homofobia e ainda naturaliza atos deviolência contra minorias, tratando-os como se integrassem o inconscientecoletivo, como se as violências retratadas constituíssem desejos reprimidos,mas existentes em todos nós, bastando um remedinho para liberá-los”, disse oMPSP.

 

Em outra animação, de nome “Sr. Donizildo em WhatahhelProstituto”, quando um personagem percebe que a profissional do sexo por elecontratada é, na verdade, uma travesti, ele passa a torturá-la, removendo comuma tesoura seu órgão sexual masculino e alongando, com alicates, seus mamilos,para que se transformem em seios.

 

Em seu voto, a desembargadora-relatora Clara Maria AraújoXavier diz que “em uma sociedade desigual, na qual existe a disparidade entregrupos sociais, é comum que o grupo supostamente dominante naturalize asituação marginalizada da minoria e ache ‘graça’ em situações nas quais há umaclara violação de normas, sejam elas sociais, linguísticas, morais ou de dignidadepessoal. Tais violações, aliás, muitas das vezes são tidas como benignas einofensivas, seja pela distância psicológica do espectador/criador com a normaviolada, seja pelo pouco ou nenhum comprometimento desse mesmoespectador/criador com referida norma”.

 

“De todo modo, importante salientar que a ferramenta do‘riso’, – tão enaltecida pelos requeridos em sua contestação, e, obviamente,tão desejada por quem tem o humor como ofício – não tem, por si só, o condão deescusar ou mesmo de minimizar discursos excessivos, muitas vezes revestidos decaráter discriminatório e excludente de direitos, independentemente de seremeles considerados ou não discursos de ódio”, continua a desembargadora.

 

Por isso, em sua visão, a indenização por danos morais édevida. Já o pedido de retirada do ar dos conteúdos não pode prosperar, porquenão há o explícito cometimento de crime, e a liberdade de expressão deveprevalecer.

 

“Analisando os conteúdos produzidos pelos requeridos – e pormais que, ao senso crítico desta julgadora, sejam eles absolutamenterepulsivos, toscos e grotescos – compartilho do entendimento externado pelojulgador a quo no sentido de que o Estado-juiz não pode, de fato, impedir a sualivre circulação, removendo-os da rede mundial de computadores. Isso porque nãose pode ignorar, pelos motivos bem expostos na r. sentença, que o objeto dolitígio se encontra mesmo em linha limítrofe, não havendo o claro cometimentode crime por parte dos réus, “nem mesmo na questionável figura jurídica daapologia ao crime”, disse.

 

E continua: “Forçoso reconhecer que pleitos objetivando aproibição da veiculação de manifestações artísticas que, a princípio, teriamofendido terceiros, soam – salvo naqueles casos excepcionais de patentedesproporcionalidade no ingresso dos direitos de personalidade – um tantoquanto temerários, seja porque não se pode judicializar a arte (uma vez que oexercício da atividade jurisdicional não se destina à crítica artística), sejaporque a solução encontrada pela Constituição Federal para o suposto abuso daliberdade de expressão é aplicado a posteriori, mediante indenização e eventualresponsabilização criminal do artista”.

 

Por fim, condena apenas Rodrigo, Ricardo, Rogério e Fábricade Quadrinhos Núcleo de Artes S/C LTDA ao pagamento de R$ 80 mil em danosmorais coletivos.

 

A ação tramita com o número 1059191-91.2016.8.26.0100.



Fonte: https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/autores-de-videos-homofobicos-deverao-pagar-r-80-mil-de-danos-morais-coletivos-03072020

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