NOTÍCIA

29/01/2023
Julgamento da Segunda Turma reparou erro na aposentadoria da primeira transexual da FAB

A história de Maria Luiza da Silva, reconhecidacomo a primeira transexual dos quadros da Força Aérea Brasileira (FAB), ganhouum novo capítulo em abril de 2021, quando o STJ confirmou que ela não poderiater sido aposentada no posto de cabo.

Ao negar recurso da União e confirmar decisão doministro Herman Benjamin, a Segunda Turma manteve acórdão doTribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que garantiu a ela o direito dese aposentar no último posto da carreira militar no quadro de praças, o desuboficial.

Maria Luiza foi posta na reserva após ter realizadocirurgia de mudança de sexo – o que lhe retirou a chance de progredir nacarreira. Na decisão monocrática, o ministro Herman Benjamin avaliou a medidacomo prematura e ilegal, o que já havia sido reconhecido no primeiro e nosegundo graus de jurisdição.

Para Herman Benjamin, era inconcebível que amilitar tivesse direito à aposentadoria integral apenas no posto de caboengajado. "Prestigiar tal interpretação dos julgados da origem acentua,ainda mais, a indesculpável discriminação e os enormes prejuízos pessoais efuncionais sofridos pela recorrida nos últimos 20 anos em que vem tentando –agora com algum êxito – anular a ilegalidade contra si praticada pelas ForçasArmadas do Brasil", concluiu o ministro.

 

Militar transgênero não pode ser reformadocompulsoriamente

Em outubro do mesmo ano, a Quinta TurmaEspecializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), em consonânciacom a posição do STJ, condenou as Forças Armadas, em ação civil pública, a reconhecer o nomesocial dos militares transgênero e a não reformá-los sob alegação da doença"transexualismo".

Em circunstâncias similares ao caso de Maria Luiza,servidores federais civis e militares foram postos em licença médica ousubmetidos a processos de aposentadoria compulsória, devido ao fato de seremtrans.

O relator, desembargador federal RicardoPerlingeiro, destacou que a Classificação Internacional de Doenças CID-11, comvigência a partir de 2022, exclui a orientação de gênero do rol de patologias.A decisão ainda apontou que o direito à autodeterminação de gênero estágarantido no sistema jurídico, sendo eficaz contra todos e dotado de efeitovinculante, o que inclui instituições como a Marinha, o Exército e aAeronáutica.

Entre os instrumentos normativos referenciados paraamparar esse entendimento está o Decreto 8.727/2016, que dispõe sobre o uso do nome sociale o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuaisna administração pública federal. No âmbito do STF, a decisão citou o Tema 761 da repercussão geral e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.275, queestabeleceram o direito fundamental do transgênero à alteração do prenome e daclassificação de gênero no registro civil.

 

Capitã reformada se queixa da falta de amparo legal

A história de Maria Luiza e a ação civil públicajulgada pelo TRF2 são exemplos da dificuldade de reconhecimento dos direitos detransexuais que ingressam nas Forças Armadas. Foi nesse contexto que a advogadaBianca Figueira Santos, oficial superior da Marinha no posto de capitã decorveta, reformada em 2008 em razão de sua transexualidade, iniciou asatividades de pesquisa acadêmica e a defesa de militares que, assim como ela,enfrentam adversidades na carreira. Ela detalha sua trajetória e a de maiscinco militares transexuais no livro Deixadas para trás, baseado emseu trabalho de conclusão de mestrado.

Segundo Bianca, a evolução prática mais relevanteno tema, nos últimos anos, foi a retirada da transexualidade do rol de transtornosmentais da CID-11. "As Forças Armadas não podem mais reformar osmilitares trans, porque anteriormente eles utilizavam a patologia comojustificativa", explica.

Bianca observa que decisões recentes do STF – comoo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 edo Mandado de Injunção 4.733, que reconheceu a homofobia e atransfobia como racismo – reforçam esse entendimento. No entanto, afirma queainda é difícil assegurar os direitos dessas pessoas. "Se não existe lei,encontramos um óbice grande em relação ao princípio da legalidade daadministração pública, seja ela civil ou militar. Como a administração poderános amparar? Aí temos que propor ações judiciais para conseguir nossosdireitos, desde os mais simples possíveis", lamenta.

 

Ministério da Defesa tem orientações sobrealistamento militar de transexuais

A judicialização de casos de licenças médicas ouaposentadorias compulsórias de militares após a transição de gênero não é oúnico foco de insegurança na relação da população trans com as Forças Armadas.O serviço militar obrigatório, previsto no artigo 143 da Constituição Federal e imposto a todocidadão brasileiro do sexo masculino, já foi alvo de questionamentos por nãoapresentar um regramento expresso em lei para esse segmento da sociedade.

Em 2018, a Defensoria Pública do Rio de Janeiroobteve resposta a ofício enviado ao Ministério da Defesa com o objetivo deesclarecer os procedimentos que devem ser adotados, no momento do alistamentomilitar obrigatório, por pessoas trans que já mudaram de nome e sexo nosdocumentos.

De acordo com o Ministério da Defesa, se o homemtrans fizer a alteração antes de completar 18 anos, ele deverá se apresentar aoserviço militar no ano em que completar a maioridade, podendo ser recrutado.Caso a alteração ocorra com 18 anos, ele deverá se apresentar ao serviçomilitar em até 30 dias da mudança oficial.

Se a mudança ocorrer entre 19 e 45 anos, eleprecisará se apresentar ao serviço militar em até 30 dias após a mudançaoficial para entrar no cadastro de reservistas, podendo vir a ser convocado emcaso de guerra. Ao homem trans que não se apresentar no prazo após a mudançaoficial, serão impostos os mesmos impedimentos previstos em lei para todos,como o de obter passaporte ou de participar de concurso público. Após os 45anos, não é obrigatório o alistamento, nem haverá convocação em caso de guerra.

Para mulheres trans, se a alteração ocorrer antesdos 18 anos, não é necessário se apresentar às Forças Armadas. Caso a alteraçãoseja realizada após o alistamento ou o serviço militar, o documentocomprobatório torna-se dispensável, não podendo mais ser exigido.

A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) elaborou o Guia de orientação sobre o alistamento militar, voltadopara pessoas cujos nome e sexo foram retificados.

 

Estanotícia refere-se ao(s) processo(s):AREsp 1552655



Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/29012023-Julgamento-da-Segunda-Turma-reparou-erro-na-aposentadoria-da-primeira-transexual-da-FAB.aspx

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